Crônicas de Luís Fernando Veríssimo

Blog com crônicas de Luís Fernando Veríssimo

17 agosto 2006

Crônica - Cornita

- Pai, o que é cornita?
- Como é que se escreve?
- Ce, o, erre, ene, i, te, a.
O pai pensou um pouco. Não podia dizer que não sabia. O garo­to há muito descobrira que o pai não era o homem mais forte do mundo. Precisava mostrar que, pelo menos, não era dos mais burros. Perguntou como é que a palavra estava usada.
- Aqui diz, “a cornita da igreja...” - respondeu o garoto.
- Ah, esse tipo de cornita. É um ornamento, na forma de corno, que fica do lado do altar.
- Pra que que serve?
- Pra, ahn, nada. É um símbolo.
- Ah.

- Pai, usei “cornita” numa redação e a professora disse que a palavra não existe.
- O quê? Mas que professora é essa?
- Ela diz que nunca ouviu falar.
- Pois diga para ela que “cornita”, embora não faça mais parte da arquitetura canônica, era muito usada nas igrejas medievais.
-Tá.

- Pai, a professora continua dizendo que “cornita” não existe. E diz que também não se diz “arquitetura canônica”.
- Preciso ter uma conversa com essa professora. Essa edu­cação de hoje...

- Não quero discutir com a senhora. Mas também não quero ver meu filho duvidando do próprio pai. Para começar, minha senhora, aqui está o livro que meu filho estava lendo. E aqui está a palavra. “Cornita”.
- Deixe eu ver. Obviamente, era para ser “cornija”. É um erro de imprensa.
- O quê?
- Um erro de revisão. “Cornija”. Ornamentação muito usada na arquitetura antiga. “Cornita” não existe.
- Pai, vamos pra casa... .
- Um momentinho. Um momentinho! Claro que eu sei o que é “cornija”. Mas existem as duas palavras. “Cornija” e “cornita”. Duas coisas completamente diferentes.
- Então me mostre “cornita” no dicionário.
- Ora, no dicionário. E a senhora ainda confia nos nossos dicionários?
- Pai, vamos embora...

- O que é isto, pai?
- Um pequeno tratado que fiz para a sua professora, aquela mula, ler. Dezessete páginas. Pouca coisa. Nele, traço desde a origem etimológica da palavra “cornita”, no sânscrito, até a sua sim­bologia no ritual da Igreja antes do concílio de Trento, incluindo o número de vezes em que o termo aparece na obra de Vouchard de Mesquieu sobre a arquitetura canônica. E sublinhei “arquitetura canônica”, para a mula aprender a jamais desmentir um pai.
- Certo, pai.

- Pai....
- O que é?
- A professora leu o seu tratado.
- E então?
- Mandou pedir desculpas. Diz que o senhor é um homem muito etudito.
- Erudito.
- Erudito. Mandou pedir desculpas. A burra era ela.
- Está bem, meu filho. Pelo menos agora ela sabe com quem está tratando.
Valera a pena. Valera até as noites perdidas inventando os dados do tratado. Sabia que acabaria convencendo a mulher com um ataque maciço de erudição, mesmo falsa. Vouchard de Mesquieu. Aquele fora o golpe de mestre. Vouchard de Mesquieu. Perdera uma hora só para encontrar o nome certo. Mas estava redimido.

15 Comments:

At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Achei muito legal a sua crônica, pois é uma maneira de repensar nosso atos e que os humanos são limitados e não sabemos tudo que há no mundo, isso retrata muita gente do nosso planeta. Acho que você deveria postar mais crônicas. Luís.

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Achei a crônica muito boa pois ela mostra coisas que realmente acontecem no dia a dia, as pessoas vão atrás de algo que não existe assim como a crônica mostra apenas para não sair como burro ou algo do tipo, as vezes é necessário assumir nossos erros para não cometer outros assim como o pai do menino, amei a crônica e o fato dela mostra que devemos repensar nossos atos.

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Amei a crônica muito engraçada e interessante ao mesmo tempo e mostra como as pessoas são ignorantes quando dizemos que ela está errada gostei muito quero mais iguais a essa.Kamilli

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Carol

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Achei muito interessante sua crônica. Porque até nós mesmos as vezes queremos levar algo ao super extremo como o pai do menino que quis porque quis provar que estava certo até chegar a esse ponto, nisso podemos aprender que nós não sabemos de tudoooo da face da terra , e que em uma parte das vezes erramos .
Bibi

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Achei à crônica bem legal, com a crônica, é possível aprender que seres humanos tem limites e coisas nas quais não podemos fazer, mas podemos tentar aprender mesmo sem saber.

João Paulo

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Gostei muito da sua crônica, achei que ficou faltando um pouco mais de drama e de ação por exemplo a professora e o filho descobrir que o pai estava mentindo mas a sua crônica ficou muito boa pois retrata na maiorias das vezes o que acontece na sociedade e as vezes no nosso dia a dia ,pode serve de exemplo para alguns pais que mentem para seu filho,adorei parabéns, (Filipe )

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Adorei a crônica e é muito interessante a forma que ela mostra como algumas pessoas são, não admitem um erro que não sabem tudo, que não tem a resposta para todas as perguntas do mundo. Essa crônica nos faz pensar em nossas atitudes e no que podemos melhorar, você retratou bem esse lado do ser humano de um jeito engraçado e divertido. Amei demais. Desculpa por ter lido anos depois de você ter postado a crônica. Lara

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Davi Ricardo said...

Achei muito boa a crônica pois fala sobre as pessoas que não sabe a frase ou palavra para não se sair mal na fita.

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Zaqueu Silva = gostei muito da crónica isso retrata um pouco a nossa realidade pois muitas pessoas não adimitem que estão erradas e são igual a esse pai que tentou ajudar seu filho criando uma palavra que não existe.

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Eu achei bem legal essa crônica, já que demonstra como a sociedade é não admitir os erros e algumas pessoas vão até o final até falsificando e cometendo crimes, para não admitir que está errado como esse pai que falsificou para que seu filho, não o ache burro .José

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Blogger Unknown said...

Achei a crônica bem criativa e Interessante, com isso podemos ver que não é uma coisa de outro mundo não conseguir entender algo, é super normal, não é ruim não conseguir entender, o que é ruim fingir entender uma coisa para não parecer estúpido já sendo estúpido. Gostei muito da crônica e isso serve de lição para as pessoas que querem está sempre certas é uma forma de ensinar que nem sempre estamos certos de um jeito engraçado.

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Blogger Unknown said...

Emanuelly

 
At sexta-feira, 15 julho, 2022, Blogger Unknown said...

Gostei bastante da cronica é bem interesante
E tem um otimo humor
Trás uma ideia que Todos nos erramos ,
E quem nem tudo que ouvimos é verdade .
(Emily)

 
At quarta-feira, 20 julho, 2022, Anonymous Anónimo said...

Lendo essa crônica comecei a refletir sobre as altitudes do ser humano. É impressionante a ignorância dos homens. Por que e pra que não admitir que não sabe? É tão difícil? Ninguém sabe de todas as coisas, é normal, ninguém é perfeito. Poderia muito bem ter usado a Internet e pesquisar junto com o filho, seria até legal.
Em geral, o texto é bom, simples e muito reflexivo.

Maria Eduarda

 

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